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LGPD: Eliminação X Retenção De Dados. Por Simone Bastos Braga De Andrade.

LGPD: Eliminação x Retenção de Dados. Por Simone Bastos Braga de Andrade.

Proteção de Dados Pessoais sob o viés do controlador: o direito de retenção versus o dever de eliminar dados pessoais.

Simone Bastos Braga de Andrade
Agosto, 2020

A lei de proteção de dados brasileira – Lei nº 13.709/2018 – assim como as demais legislações em proteção de dados já em vigor em diversos países, reconfiguram a titularidade dos dados pessoais reconhecendo a propriedade desses dados aos seus titulares ainda que os tenham informados a outras pessoas.

Confirmar esse conceito, pode-se parecer redundante, mas numa economia “datificada” como a que navegamos nessa Era da Informação, o assunto ganha assento e importância e recorda às empresas que o uso dos dados pessoais contidos em seus bancos – que as viabilizam alçar faturamentos de muitos dígitos – precisam ser limitados a regras que garantam a liberdade, privacidade, livre desenvolvimento da personalidade do indivíduo.

Se por um lado, a LGPD exige que as empresas assegurem a integridade e segurança dos dados pessoais contidos em seus bancos por outro lado a mesma lei brasileira determina que seja promovido o descarte de dados pessoais quando não houver mais lastro legal para a manutenção da operação de tratamento.

Com efeito, tanto a Regulamento Geral de Proteção de Dados europeu (GDPR) quando a LGPD, estabelecem regras para o tratamento de dados pessoais e algumas dessas regras, trazidas com a roupagem jurídica de princípios, exigem que os dados tenham a sua integridade garantida bem como sejam mantidos a salvo de incidentes mais conhecidos como vazamentos, seja, acidental ou decorrente de ação criminosa. Essa vertente que termina por reconhecer um direito ao titular do dado, encontramos na LGPD sob a nomenclatura de princípio da segurança (art. 6º, VII).

De igual forma, essas legislações específicas em proteção de dados também determinam que o tratamento de dados deve ser realizado somente com lastro em uma das bases legais (no total de 10 para a versão brasileira da lei) e pelo prazo necessário ao atingimento da finalidade para o qual foram coletados. Essa normativa está apresentada pelo princípio da finalidade. Atingindo-se a finalidade, inicia-se o dever de eliminar o dado, determinando ao controlador daquela operação de tratamento o manejo de uma desenhada política de descarte.

E não se diga que há contraditoriedade na legislação. Mas, dentro de uma linha temporal, a LGPD determina que o dado seja mantido íntegro e em segurança durante a execução da operação de tratamento e que seja descartado ao final dela, não havendo mais justificativa legal para a manutenção do dado no banco.

Uma vez licitamente coletado para uma finalidade específica, as operações de tratamento que se seguir a partir daí devem estar irremediavelmente enquadradas em uma das hipóteses autorizativas previstas no art. 7º se for o caso de serem dados pessoais comuns, ou no art. 11 para dados pessoais sensíveis e ainda no art. 14 para dados pessoais de crianças e adolescentes, todos da Lei nº 13.709/2018.

Na prática, há a necessidade de, uma vez levantadas as operações de tratamento de dados pessoais, construir a tabela de temporalidade que identificará o momento para que seja promovido o descarte, salvo se a permanência daquele dado no banco do controlador se justificar por outra base prevista na lei, a exemplo do interesse legítimo do controlador (art.7ª, IX), exercício regular de um direito (art. 7º, VI).

Ou seja, o dever de eliminar dados pessoais não é absoluto. Mas pode ser licitamente mitigado em face de algumas hipóteses restritas de retenção dos dados pelo controlador. Contudo, com esse direito de retenção segue-se todo o dever de garantir a integridade e segurança dos dados pessoais.

Trazendo para a concretude, se um titular fornece seus dados de nome, contato de e-mail, CPF e endereço para fazer uma compra de um bem de consumo, com o exaurimento dessa relação (entrega do produto, fim do prazo de garantia do bem, execução dos deveres fiscais acessórios) em tese nasceria ao controlador o dever de eliminar esses dados uma vez que estaria alcançada a finalidade daquela operação de tratamento de dado realizada com lastro na execução de um contrato.

Contudo, ainda após o alcance da finalidade, inclusive o cumprimento de todas as obrigações legais, poderia o controlador permanecer com os dados coletados para oferta à venda de novos produtos? Entendemos que sim lastreando essa nova operação de tratamento no legítimo interesse do controlador (enquadrado no art. 10, I), desde que aquela oferta do novo produto guarda relação com o primeiro negócio realizado com a concordância do titular, como leciona Caio César Carvalho Lima (2019, pg. 195):

Sendo atingidos os requisitos mencionados anteriormente, o controlador poderá fundamentar o tratamento de dados para apoio e promoção de suas atividades. Nesse sentido, podemos citar alguns exemplos, tais como:

        1. O controlador que, após, observar as preferências de determinados usuários em seu portal, passar a exibir para eles produtos que mais o agradem, com base no tratamento de dados dos demais usuários daquele site;
        2. O envio de e-mail com descontos específicos para aqueles produtos buscados por determinado titular, ou até mesmo com indicações, tomando por base o histórico de compras do titular; ou
        3. Relembrar determinado consumidor que incluiu produtos em seu “carrinho virtual”, mas não finalizou a compra.

Para tanto, além de garantir a transparência acerca da nova operação de tratamento (art. 10, §2º) e minimizar o uso de dados (art. 10, §1º), deve observar a necessidade de realização do Relatório de Impacto em Proteção de Dados ditado pelo art. 38 para a realização de operações de tratamento com base no interesse legítimo, revelando-se, ainda, uma boa prática de governança em proteção de dados a realização do teste de balanceamento como ponderam Isabella Z. Frajhof e Ana Lara Mangeth (2020, p. 84):

Dessa forma, esse teste “multifatorial” aponta para uma tentativa de dar maior previsibilidade a essa hipótese legal flexível, indicando o necessário balanço a ser feito entre os direitos do titular de dados, por um lado, e os interesses dos agentes de tratamento do outro. Ainda pode-se dizer que no Brasil esse teste de proporcionalidade deverá ser aplicado nos casos de interesse legítimo, sendo exigido dos controladores que comprovem a eficácia das medidas adotadas – princípio da responsabilização e prestação de contas (art. 6º, X) -, além da óbvia aplicação dos demais direitos e garantias dos titulares de dados.

Neste caso, poderá o titular se opor a essa nova operação de tratamento como lhe assegura o art. 18, §2º da LGPD.

Por um outro viés, igualmente respaldaria a retenção dos dados ao final da primeira operação de tratamento o exercício regular de direito. Nesse sentido, terá o controlador o direito de manter os dados em sua base exclusivamente para a hipótese de precisar para eventual defesa em demanda judicial que envolva tal negócio para o qual os dados foram coletados. Essa base legal está prevista no art. 7ª VI da LGPD. E sobre a exclusividade do uso para essa finalidade, destaca Caio Cesar Carvalho Lima (2020, pg. 31):

Assim, nas situações em que se entender que determinados dados pessoais poderão servir como fundamento para o exercício de direitos em demandas em geral, eles poderão ser tratados para essa finalidade enquanto subsistir tal necessidade, desde que para essa única e exclusiva finalidade.

Podem ser utilizados como parâmetro para a retenção da informação os respectivos prazos prescricionais previstos na legislação civil e penal. Havendo discussão judicial, haverá fundamento para armazenamento dos dados durante todo o prazo em que subsistir possibilidade de discussão da demanda, inclusive os dois anos subsequentes em que pode haver a apresentação da Ação Rescisória.

Para essa linha de intelecção, deverá o controlador construir o critério de temporalidade específico que determinará o momento em que os dados em questão obrigatoriamente deverão ser eliminados vinculado ao prazo prescricional de eventual ação, sendo certo que essa nova operação de tratamento deve ser limitada tão somente ao armazenamento.

Alcançando-se esse marco temporal (do prazo prescricional), nasce o dever para o controlador em eliminar aqueles dados coletados encerrando-se, com isso, inclusive, o seu dever se prestar contas ao titular daqueles dados. O término do tratamento impõe o dever de eliminar os dados, conforme prevê o art. 16, restando ao controlador a opção da anonimização para manter uma base de dados que não identifique o seu titular e, portanto, desobrigadas de lastro em uma das 10 bases legais autorizativas.

A LGPD em seu art. 16 trás permissivos para a manutenção da retenção dos dados pessoais pelo controlador mesmo com a ocorrência do término da operação de tratamento ou até mesmo diante do requerimento formulado pelo titular para a eliminação do seu dado.

Contudo, não sendo uma dessas hipóteses e não havendo o descarte após o término do tratamento, incorre o controlador em ilegalidade como advertem Gisela Sampaio da Cruz Guedes e Rose Melo Vencelau Meireles (2019, p. 228):

Salvo nas hipóteses previstas no art. 16 da LGPD, em que o legislador expressamente autoriza a conservação dos dados pessoais após o término de seu tratamento, o controlador deve descarta-lo tão logo ocorra o encerramento do tratamento nos termos do art. 15 da LGPD. Se, após o término do tratamento, o controlador não descartar os dados pessoais, como determina a LGPD, ele poderá vir a ser responsabilizado, presentes os pressupostos da responsabilidade civil.

Invariavelmente, durante todo o ciclo de vida dos dados coletados, assim como no exemplo aqui ventilado, deve o controlador garantir o sigilo, a integridade, a segurança desses dados, inclusive contra a eliminação dos mesmos.

Vê-se, portanto, que a eliminação de dados pessoais representa para o controlador hora um dever de fazer e, portanto, obrigação de eliminar, e em outros momentos quando configurado o seu direito de retenção, um dever de não fazer, devendo adotar medidas técnicas e administrativas para evitar a eliminação desses mesmos dados, tudo dependendo do contexto e do corte de análise desses dados na linha do tempo de seu ciclo de vida.

Bibliografia

Doneda, Danilo; Mendes, Laura Schertel; Cueva, Ricardo Villas Bôas. Lei Geral de Proteção de Dados. A caminho da efetividade: contribuições para a implementação da LGPD. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2020.

Frajhof, Isabella Z. e Mangeth, Ana Lara. As bases legais para o tratamento de dados pessoais. in a LGPD e o novo marco normativo no Brasil. Porto Alegre: Arquipélago, 2020;

Lima, Caio César Carvalho. Do tratamento de dados pessoais. In LGPD – Lei Geral de Proteção de Dados Comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019;

_____________________., Estudo Prático sobre as bases legais na LGPD. In Proteção de Dados, Desafios e Soluções da Adequação à LGPD. Rio de Janeiro: Forense, 2020;

Guedes, Gisela Sampaio da Cruz; Meireles, Rose Melo Vencelau. Término do tratamento de dados in Lei Geral de Proteção de Dados e suas repercussões no Direito Brasileiro. Coord. por Tepedino, Gustavo; Frazão, Ana; Oliva, Milena Donato. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.

Simone Bastos Braga de Andrade

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